sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Conferência realizada por Philippe Meirieu na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Lisboa a 17 de Fevereiro de 2009

« Mutations sociales, pédagogie et travail des enseignants »
Philippe Meirieu
17 de Fevereiro de 2009



Philippe Meirieu é um dos mais conhecidos pedagogos franceses e uma personalidade de referência no mundo educativo.

Autor de vasta obra, dirige o Instituto Superior de Formação de Professores de Lyon, tendo já desempenhado o cargo de conselheiro para a educação aquando o desempenho do antigo ministro Claude Allègre. Livros como “Aprender… sim. Mas como?” ou “Pedagogia entre o dizer e o fazer”, são o contributo de Philippe Meirieu para a reflexão em temas sempre centrados na prática pedagógica.

Nesta dissertação, comentada pelo Dr. Sérgio Niza que associamos ao Movimento da Escola Moderna, e pela Dr.ª Emília Santos que dirige a revista Noesis e é membro do Conselho Nacional da Educação, Meirieu levou a assistência a reflectir sobre a crise da Educação fruto de uma modernidade que se apresenta, não tanto como uma ameaça, mas como um real desafio para a pedagogia e para os pedagogos.

Todo o desenvolvimento reflexivo feito pelo pedagogo francês, ao longo de mais de três horas, centrou-se em cinco linhas de pensamento fundamentais:
1. A modernidade e a “crise da educação”
2. O que é a Pedagogia?
3. Porque se tecem tantas críticas à Pedagogia?
4. Para que serve efectivamente a Pedagogia?
5. A pedagogia é um dom? Uma arte? Uma ciência?

No primeiro ponto Meirieu começou por relembrar que foi Hannah Arendt quem primeiro se referiu à crise da educação, analisando-a como uma crise das teocracias imposta pela emergência das democracias; explicou ainda de que forma os governos e as autoridades escolares têm procurado responder a essa crise, recorrendo à burocracia como resposta e esquecendo-se que geram uma nova teocracia. A real resposta, no ponto de vista do orador, está na atribuição de responsabilidade e de liberdade em alternativa à burocracia.

Philippe Meirieu aponta como uma das causas da crise da educação a “crise de cultura” que se vive nas gerações mais jovens. Hoje em dia, os jovens têm cada vez mais informação para digerir e o problema é que não têm tempo de reflectir sobre os conteúdos que lhes são disponibilizados. A informação é cada vez mais digitalizada, informatizada, virtual; o jovem não tem disposição para socializar utilizando o que de mais precioso temos: a palavra. A palavra e a precisão da palavra não são trabalhadas. O rigor linguístico, como forma privilegiada de entendimento, são descuidadas pelo sistema educativo e este facto tem custos na aprendizagem – não é o jovem que falha, é todo o sistema que deve ser revisto. Meirieu recorre frequentemente, ao longo do discurso, a uma expressão deveras sugestiva: “A inquietude está no coração da palavra”.

A educação enfrenta o desafio de lidar com jovens pulsionais, consumistas, exigentes, imediatistas. Os media, a publicidade, o marketing, promovem uma geração pouco reflexiva e muito superficial, onde a racionalidade se torna aborrecida, demasiado morosa para ser colocada em prática. Cada vez mais se observa a individualidade em detrimento do colectivo; cada vez mais se assiste a uma geração sem referências culturais e sem vontade de ser transmissora de referências culturais.

Assiste-se cada vez mais a assimilações imediatas, dogmáticas: é necessário estabelecer a distinção entre “savoir” e “croire”.

As crianças e os jovens têm ao seu dispôr tantas distracções que provocam a dispersão do trabalho efectivo, reflexivo; esta é uma das preocupações do educador - “a inversão da dispersão”, citando Gabriel Madinier. Torna-se assim necessário um trabalho dos educadores no sentido de promover a metacognição e o seu desenvolvimento sistemático.

Coloca-se então a questão: Crise na Educação ou hipótese de trabalho em Pedagogia?
Uma das respostas possíveis estará no trabalho a fazer dentro dos contextos da pedagogia do sujeito, da pedagogia institucional, pedagogia cultural e pedagogia da palavra.

No segundo ponto a desenvolver o pedagogo francês remete-nos para a reflexão do porquê da Pedagogia não ser nem uma ciência, no sentido exacto do termo, nem uma técnica de comunicação, embora haja comunicação. Após algumas considerações de âmbito filosófico, Meirieu afirma que a Pedagogia é a construção de modelos educativos que tentam articular, de diferentes maneiras, três pólos:

1. Pólo axiológico (os valores, as atitudes, a forma de estar);
2. Pólo científico (conhecimento rigoroso dos fenómenos educativos).
3. Pólo praxeológico (prática educativa movida pelos utensílios necessários para a exercer).


Para Meirieu a definição da Pedagogia assenta em duas premissas:

1. Todas as pessoas podem e devem ser educadas e crescer;
2. Ninguém pode ser obrigado a aprender e a crescer contra sua vontade.

Tendo como base estas premissas, a Pedagogia deve ser encarada como uma espécie de arte ou modelagem em que o educador deve trabalhar os materiais de que dispõe, usando ferramentas a que pode recorrer, possibilitando que quem aprende aprenda bem e a entenda o que aprende. A Pedagogia exerce-se, não nos ambientes herméticos dos gabinetes de trabalho teórico, mas na realidade, no dia-a-dia, utilizando dois princípios:

1. Princípio da educabilidade;
2. Princípio da responsabilidade.

No terceiro ponto condutor do discurso, debateu-se o porquê da Pedagogia ser tão criticada. De acordo com o pensamento de Philippe Meirieu, assiste-se à presença de um “liberalismo autoritário” já que os governos fecham-se nos seus próprios projectos, em negociações bilaterais que se apoiam nos seus próprios projectos e não permitem a entrada em negociação de outras alternativas de pensamento, de outras práticas, nem tão pouco da criatividade que existe no colectivo. Este é um fenómeno que se estende a toda a Europa e que trava o desenvolvimento de boas práticas educativas.

Então para que serve realmente a Pedagogia? Esta foi a reflexão em torno da qual se desenvolveu o quarto ponto da palestra.
Neste ponto, o discurso foi incisivo em relação a pontos importantes sobre os quais a Pedagogia se deve debruçar, no sentido de realçar a importância destas reflexões nas práticas pedagógicas e na produção de matéria teórica que sustente essas práticas. Vejamos alguns aspectos realçados pelo pensador:

· Respeito pela criança sim… Mas ensinar a criança a respeitar… Não basta ensinar à criança que deve usufruir os direitos que lhe são atribuídos; é necessário ensinar-lhe os deveres a que está sujeita e responsabilizá-la pelo não cumprimento desses deveres.

· Falamos muito em métodos activos no ensino. Mas é importante que sejam intelectualmente activos… Que permitam à criança raciocinar, perceber o que lhe é ensinado, construir, reflectir e não simplesmente mecanizar a resposta que lhe trará bons resultados na avaliação.

· Fala-se muito em aprender a aprender. Mas aprender o quê e como? É importante saber o que ensinar, como ensinar, tal como é importante ensinar a aprender, a construir, a reflectir…

· Fala-se muito da aquisição de competências. Que competências? Quais as necessidades actuais? Será que nos preocupamos em explicar aos jovens a importância da aquisição de determinadas competências para que eles entendam a sua emergência?
· Fala-se frequentemente dos interesses dos alunos. Mas temos de questionar quais os interesses dos educadores e como estes devem promover as suas práticas para ir de encontro aos interesses dos alunos. Será que são proporcionadas as ferramentas necessárias aos educadores para que possam agir como tal?

· Pedagogia diferenciada, porquê? Porque nem todos aprendem ao mesmo ritmo, de acordo com os mesmos padrões, assimilando da mesma forma, com a mesma facilidade. Então há que estabelecer caminhos e alternativas para cada conjunto de alunos. Não devemos fechar cada um na sua própria estratégia de aprendizagem; devem ser abertas perspectivas e a aprendizagem deve abrir caminhos para a metacognição. O saber não é a soma de técnicas mas antes aprender a reflectir, a esmiuçar os conteúdos, a pensar para além de…

· Vivemos numa sociedade de projectos. É importante organizar, apresentar soluções, apresentar alternativas, projectar…

· A motivação… Motivação dos alunos… Motivação dos profissionais… Mobilizar para a execução de tarefas mas salvaguardando o objectivo da Escola: compreender, aprender no real sentido da palavra e não pensar tanto em avaliar, em resultados; lembrar que os bons alunos fazem as boas escolas e não as boas escolas que fazem os bons alunos. Não devemos confundir tarefa com objectivo…

· A importância da escrita… A escrita é uma forma definitiva de preservação do pensamento, é uma forma de transmissão cultural, é um legado a gerações vindouras. Como se menospreza tanto o ensino do rigor da palavra? Os jovens, na sua maioria, não sabem escrever… Este facto tem repercussões gravíssimas… A palavra não tem peso hoje em dia para as gerações mais jovens. È necessário entender que somos seres humanos e que dependemos da linguagem para comunicar; a linguagem é composta de palavras e estas devem ser utilizadas de uma forma precisa, rigorosa.

· Educar para a cidadania, claro… Mas responsabilizar o indivíduo e fazer entender a importância dos diferentes estatutos sociais, familiares, institucionais; assistimos frequentemente, a nível familiar, que já não é a família que coordena a vida da criança mas a criança que coordena a vida da família; já não é o aluno que acata a ordem do professor, mas o professor que molda o seu comportamento em função do aluno. Há uma inversão notória de estatutos que deve ser corrigida. O respeito é conquistado na medida em que se respeita.

· A Educação visa formar cidadãos conscientes e activos socialmente. No entanto, é importante formar tais cidadãos em contexto real, em situações concretas, não somente na sala de aula.

· Devemos responder a necessidades reais precisas mas sem abandonar a perspectiva da universalidade; a condição humana requer que transmitamos a cultura que é o que permite aos homens a diferenciação das outras espécies.

No último ponto da palestra, Phillipe Meirieu, reafirma alguns aspectos que foram amplamente desenvolvidos ao longo do seu discurso. De acordo com o pedagogo, a Pedagogia depende de uma boa formação interior, de uma solidez de valores e atitudes, mas também de uma boa formação profissional; não é um dom, mas resulta de uma boa aprendizagem e da experimentação constante no sentido de encontrar boas estratégias e na vontade de executar um bom trabalho. O bom educador vive a sua prática almejando sempre atingir os melhores resultados.

Seguiram-se os comentários da Dr.ª Emília Santos e do Dr. Sérgio Niza, tendo a primeira levantado algumas questões que gostaria de ver respondidas pelo orador, não tendo sido possível dado o avançado da hora. No entanto, por considerar pertinente a sua reflexão, coloco-as à disposição para que seja possível um trabalho pessoal sobre estas matérias a quem o desejar:
1. Quais os avanços e os retrocessos em Educação?
2. Em Educação, o que podemos definir como progresso quantitativo e qualitativo?
3. Como a economia pulsional pode modificar comportamentos em termos educativos?
4. Como a mudança desejada pode ser introduzida em Educação?
5. A avaliação é dispensável? E a avaliação formativa de escolas e de programas?
6. Devem educar-se o media? Como?

Espero ter satisfeito a vossa curiosidade e ter dado alguns motes para reflectirem sobre temas interessantes e que se coadunam com os interesses de quem medita nas problemáticas educativas.